Monday, April 6, 2009

O papel do Estado na formação social brasileira

Quem conhece a história brasileira é capaz de se lembrar da condição em que viviam os camponeses no interior do nordeste brasileiro na década de 60, ou seja, forma como se estruturava a Liga Camponesa, como elaboravam e buscavam seus interesses; que se contrapunham aos interesses dos proprietários de terras e, consequentemente, aos do governo.

Grande parte dos trabalhadores rurais e sindicalistas eram reprimidos (mortos) pelos proprietários de terras que não aceitavam a idéia de terem que ceder parte delas àqueles que ali trabalhavam, e de que as soluções para o problema agrário brasileiro fossem elaboradas pelos sindicatos rurais; uma vez que a estes, posteriormente, por medo do governo em perder seu apoio, lhes foi dado o direito de cultivar propriedades rurais subutilizadas.

À partir dessa realidade, vários teóricos e sociólogos brasileiros passaram a trabalhar com a perspectiva teórica de que o interesse das classes e o poder de cada uma delas na manipulação do aparato estatal é que define o papel do Estado na formação social brasileira.

Entretanto, discutir tal perspectiva significa retomar conceitos que estruturaram a sociedade bem como o papel do Estado. Émile Durkheim e Karl Marx seriam, a meu ver, os que mais se encaixariam nessa reflexão.
O primeiro, por afirmar que não basta somente explicar a sociedade, é necessário buscar soluções para a vida social, pois como todo organismo, a sociedade apresenta estados saudáveis e patológicos. Se comparado à perspectiva sociológica contemporânea, o papel do Estado seria mais ou menos o mesmo, ou seja, regulamentar as formas de distribuição dos bens sociais e corrigir distorções que os mecanismos reguladores das relações de mercado causam.

Há também uma consciência coletiva que “forma um sistema determinado com vida própria” e permite a observação para o trabalho de classificação das sociedades; da mesma forma são identificadas as classes sociais na perspectiva de grande parte dos sociólogos brasileiros, em termos de estrutura produtiva, com interesses próprios que se contrapõem constantemente aos das outras classes. Surge, então, a transição da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica (motor de transformação de toda e qualquer sociedade); que ainda na perspectiva tradicional reflete os sintomas do capitalismo dependente, levando as classes antagônicas à uma interdependência que garanta a união social de interesses e a autonomia de cada uma.

Já em Karl Marx tem-se um projeto para ação sobre a sociedade, no qual as desigualdades sociais são provocadas pelas relações de produção do capitalismo, que dividem os homens em proprietários e não-proprietários dos meios de produção. As desigualdades são a base da formação das classes sociais, e a relação entre elas se caracteriza por relações de oposição, antagonismo e exploração na medida em que os interesses são inconciliáveis.

Todavia, as relações entre as classes são complementares, pois uma só existe em detrimento da outra. O Estado deseja aumentar sua participação na economia externa, mas para isso, internamente, necessita do apoio de classes antagônicas, sendo que algumas delas controlam o aparato estatal.

Até 1964, os interesses de classe foram articulados na ideologia democrática nacional populista; interesses burgueses locais que buscam apoio do proletariado sem excluir os interesses dos proprietários de terras, sendo um exemplo da complementaridade e interdependência das classes sociais.

Para Marx, as diferenças entre as classes sociais não se reduzem a uma diferença na quantidade de riquezas e sim a uma diferença na existência material, na distribuição de poder. Com a classe trabalhadora (rurais e industriais) alienada, as classes dominantes (trabalhadores indiretos) inclusive as classes oriundas do aparato estatal, desenvolvem formas de dominação políticas que lhes permitem apropriar-se do sistema de poder do Estado (liberalismo) e legitimar seus interesses sob forma de leis e planos econômicos e políticos.

Diante dessa perda do “intervencionismo” do Estado é importante indagar: qual é realmente o seu papel? A quem ele realmente defende?

À priori seria complicado atribuir uma única resposta, à medida que o Estado nacional passar por grandes transformações e pela revisão de suas funções sociais.

No concerne ao papel do Estado-nação, podemos concordar com Marx no sentido de que cada forma assumida pelo Estado na sociedade burguesa, seja sob o regime liberal, monárquico, monárquico constitucional ou ditatorial, representa maneiras diferentes pelas quais ele se transforma num comitê para gerir os negócios comuns de toda a burguesia, seja sob regime liberal, monárquico-constitucional, parlamentar ou ditatorial. No caso do Brasil, seja na democracia nacional populista ou no regime militar, defender os interesses das classes dominantes sempre foi o papel do Estado.

Por outro lado, o que se assiste hoje é o enfraquecimento do Estado, de suas tradicionais funções, de seu dirigismo econômico e de suas atribuições políticas, bem como a quebra do monopólio, que passa a ter cada vez menos importância no sistema econômico internacional – ainda mais em um período de crise financeira mundial como este. Enquanto isso, do lado de cá da fronteira o bem-estar social em todos os âmbitos continua em busca do “Leviatãhobbesiano que lhe ajudará a fazer parte da vida das classes mais abastadas, pois nessa hora, além de cego, surdo e mudo, o Estado se faz de deficiente físico da mundialização do capital.

G20: Reordenação do sistema financeiro mundial ou sessão de fotos?

Primeira semana de abril, marcada pelas reuniões do G20. Para a grande maioria dos brasileiros trata-se de algo insignificante, já para os antenados na política internacional pode-se dizer que tivemos ali, “talvez”, um grande feito: FINALMENTE os sobrinhos do Tio Patinhas resolveram abrir os olhos. Pelo visto, a crise foi mais que suficiente para que as belas adormecidas se despertassem de seus belos sonhos que, de fato, se resumem em um só: a disparidade e o descompasso entre as instituições e a economia no plano mundial são cada vez mais gritantes.

Quem acompanha os largos passos da mundialização financeira desde meados da década de 90 sabe bem que a falta de uma institucionalização objetiva do sistema internacional acabou por abraçar fortemente os países que, eventualmente, nada tinham a ver com o início da crise mundial. Sendo assim, a reordenação global, dos mercados e instituições financeiras bem como sua regulação tornaram-se pontos imperativos no sistema internacional.

A Rodada de Doha é exemplo fiel da imensa necessidade de uma reordenação comercial, bem como o Protocolo de Kyoto que é a tradução ambientalista de tal reordenação. Não podemos nos esquecer dos tratados de não proliferação de armas atômicas por uma reordenação bélica e do controle de mísseis pela reordenação e reforma do Conselho de Segurança, nas Nações Unidas.

De fato, até a luta pela redução da pobreza e da melhoria da qualidade de vida em âmbito mundial resultou nos Objetivos do Milênio em 2000. É claro que tantas necessidades requerem tempo para serem atendidas, afinal de contas, uma coisa é atuar no plano nacional e outra, completamente diferente, no âmbito internacional.

Se estamos tratando da economia mundial, a mundialização financeira não foge a regra. Na década de 20, o mundo sofreu com os efeitos colaterais da crise de 1929 e, que, acabou resultando em um mundo protecionista e completamente isolacionista; o que explica grande parte das guerras de conquista.

Oxalá todos tivessem a visão de paz que Roosevelt teve ao ceder de forma grotesca aos soviéticos. O “I have a dream” veio à tona uma vez mais. Roosevelt queria a construção das Nações Unidas bem como uma União Soviética inteiramente comprometida com a ordem mundial. Mesmo em meio a Guerra Fria, a ONU não repetiu o fracasso da Liga das Nações na década de 20 e evitou uma nova guerra mundial.

O controle da crise financeira por parte dos Estados nacionais é, de certa forma, impossível o que impele o sistema internacional à busca de seu revigoramento. As instituições de Bretton Woods não foram suficientes para suportar a crise e acabamos vendo o banco central norte-americano bem como seu Tesouro injetando trilhões de dólares a fim de soerguer seu sistema bancário. O que não foi tão diferente da atual crise no que concerne às empresas automobilísticas.

Os resultados não foram grandes em longo prazo, mas foi o suficiente para manter o mercado amortecido diante do temor de novos empréstimos bancários e dos tomadores de dinheiro se esconder. Não sejamos hipócritas, hoje em dia só quer dinheiro quem já está quebrado.

Em meio aos países do G20 temos os dois lados de uma mesma moeda. O primeiro lado, dos precavidos, como os europeus que, ao injetarem capital nos bancos, assumiram o seu controle. O outro é o lado do Tio Sam, em meio à mágica de produzir dinheiro lastreado sob a credibilidade e confiança do governo e de sua economia, gerando liquidez e novos déficits, além de pouco se preocupar com os equilíbrios fiscais.

Enquanto muitos vêm se preocupando com a desvalorização do dólar, ou seja, o aumento da inflação, a grande maioria dos países do G20 tem voltado suas atenções para a deflação. Daí o ponto louvável da reunião do G20, a tão discutida cesta de moedas que serviria como reserva e o necessário aumento do capital do FMI, bem como a utilização dos DES caso seja necessário.

Fato é que reordenar o sistema financeiro mundial significa rearranjar a política internacional, passo que considero ousado e impossível à priori. Entretanto, posições unilaterais como a do ilustríssimo George Bush em invadir países, acabou dando licença aos mais variados mercados para fazer o que quisessem sem dar satisfação ou consultar ninguém. Totalmente diferente de Obama que, através de Hillary Clinton, tem falando na inclusão de Talebans na mesa de negociação. Os europeus foram mais espertos e viram nos países emergentes a melhor forma de aumentar as chances de liderança e regulamentação.

É assim que funciona no sistema internacional; com o aumento da legitimidade, o número de países com tomada de decisão também se emancipa e discutir a realidade mundial torna-se mais coerente. Sabe-se que o ponto de partida para amenizar a crise é a provisão de verba para os países emergentes e/ou pobres. No G20, a proposta foi de um trilhão de dólares, nada se comparado aos quase 50 trilhoes perdidos pelos ativos globais e fora os 2 trilhões de estímulos fiscais a ajuda necessária se acercaria da casa dos quase 6 trilhões de dólares. Desde a perspectiva do G20, espera-se que até 2010 a economia retome seus passos e possa voltar a caminhar a passos largos. Bem, isso se houver o mínimo de reordenamento financeiro e político mundial, porque o tal “fiduciário” nem sei se existe mais.

Ah...vale lembrar que abril é o mês de mentira, hein... só espero que isso não se aplique aos atuais acontecimentos!